"Macbeth" e a exuberância transcrita na balbúrdia. Escrito por Marco Antônio Seta em 03 de novembro de 2025
De forma ainda mais discutível, suprimiu-se
a música do balé, mesmo tratando-se da versão parisiense, a segunda, (1865) revisada pelo
próprio Giuseppe Verdi, na qual esse trecho é parte integrante da
dramaturgia musical.
No plano cênico, Elisa Ohtake impôs uma leitura que submete os
protagonistas a situações de ostentada
desconstrução, fazendo-os esfregar-se
pelas paredes do teatro, transitar
pelos corredores e camarins, e interagir
com elementos banais do cotidiano, projeções num telão de servir-se de
Catuaba Selvagem num copo de botequim; glissando ao piano vertical Yamaha usado para vocalizações, a leitura desnecessária e improvisada de trechos de
Shakespeare (no caso da atriz e cantora Marigona Qerkezi, intérprete da Lady Macbeth), e o ato de fazer o próprio Macbeth (o
barítono Craig Colclough) percorrer a fachada do edifício, comer pipoca de um vendedor ambulante e tomar um milk-shake, num gesto de afronta caricatural ao público presente
no interior do Theatro Municipal.
Ademais, faltou jogo cênico ao coro e a
diversos solistas, mantidos em posturas
estáticas, impiedosamente alheios
à dramaticidade intrínseca das cenas, o que comprometeu o andamento
teatral do espetáculo. Esses acréscimos
afrontosos e desconexos resultaram em reações imediatas do público, que se manifestou com vaias, gritaria: (vergonha !, toquem a música de
Verdi, fora já Sustenidos !) , apupos e urros generalizados, reprovando veementemente o contexto experimental, desrespeitoso e de efeito barato
proposto pela direção cênica.
Os figurinos
de Gustavo Silvestre e as intervenções
de Sônia Gomes amplamente
divulgadas nas redes do próprio teatro configuram, em síntese, uma proposta atemporal, mas submetida a vaidades pessoais. O
resultado se traduz em uma colagem de
autoafirmação estética, experimental
e desrespeitosa com a originalidade
histórica, o estilo musical
e a dramaturgia trágica do “Macbeth” verdiano, inspirado no texto de William Shakespeare e no libreto de Francesco Maria Piave.
Trata-se, portanto, de um descalabro
cênico que não dialoga em nenhum momento com a obra e rompe com sua essência trágica.
A iluminação
de Aline Santini cumpriu função regular,
embora marcada por penúrias visuais
em momentos cruciais, como nos finais dos
Atos I e II, no sexteto emoldurado pelo coro e especialmente no início do Ato IV, quando a execução do
coro “Oh patria oppressa” exigia
maior densidade atmosférica e precisão
lumínica.
Por sua vez, o Coro Lírico Municipal, sob a sábia preparação de Hernán Sánchez Ortega, manteve um nível vocal sólido e disciplinado, ainda que prejudicado pelas inconsistências rítmicas e espaciais impostas pela direção cênica.
Cumpre recordar que Macbeth estreou no Teatro
della Pergola, em Florença,
em 14 de março de 1847, e teve
sua segunda versão, a chamada “francesa” apresentada em 21 de abril de 1865,
no Théâtre Lyrique de Paris. É
precisamente essa versão parisiense, revisada pelo próprio Giuseppe Verdi, que foi adotada na
presente montagem, sob atemporalidade e contemporaneizada ainda que desfigurada por escolhas cênicas e cortes
injustificáveis, como a supressão integral da música do balé.
Com essa trevosa
e odiosa proposta cênica e a consequente enganosa leitura cultural,
a montagem acabou por iludir o público mais jovem, aquele que, talvez em
sua primeira experiência operística em sua primeira ida à ópera, se viu infelizmente diante de um espetáculo
desconexo da verdade artística de Verdi e Shakespeare.
No
papel-título, o barítono dramático Craig Colclough evidenciou certo desgaste
físico e vocal, provavelmente fruto de longos e consecutivos ensaios, o que por vezes
limitou seu rendimento. Trata-se, contudo, de um artista de excelência
comprovada, dotado de sólida escola vocal e de um currículo
internacional dos mais promissores. Recentemente, interpretou Macbeth no
Metropolitan Opera de Nova Iorque, com grande êxito, confirmando o acerto
desse personagem em seu repertório.
Nesta
produção paulistana, Colclough entregou um Macbeth de solidez técnica,
especialmente em momentos de alta exigência, como nas intervenções “Perfidi!
All’Anglo…”, “Esser puoi sanguinario, feroce”, “Nessun nato”
e ária “Pietà, rispetto, amore” (Ato IV), nas quais reafirmou verdadeira
musicalidade, articulação precisa e autoridade interpretativa.
A seu lado, o soprano kosovar-croata Marigona Qerkezi compôs uma Lady Macbeth de altíssimo nível técnico-artístico. Detentora de uma voz dramática de agilidade notável, a intérprete possui um repertório de peso que abrange desde Anna Bolena, de Donizetti, e Norma, de Bellini, até Il Viaggio a Reims, Semiramide, Moïse in Egitto e Guillaume Tell, de Rossini; passando por Manon Lescaut, Tosca, a Liú e Il tabarro, de Puccini, e papéis verdianos como Aida, Ernani, Il trovatore e a Missa de Requiem, também Der Rosenkavalier, de Strauss.
O tenor Giovanni
Tristacci (Macduff) não convenceu: sua interpretação linear e sem
nuances dramáticas diluiu a nobreza do personagem. Em contrapartida, Mar
Oliveira (Malcolm) e o barítono Júlian Lisnishuk, que assumiu quatro papéis menores, mostraram consistência vocal e presença
cênica dignas de nota.
Comentários
O que se seguiu ultrapassou todos os limites do aceitável: uma montagem que se vangloria de ser “atemporal” porém que, de fato, pareceu esquecer por completo o espírito trágico e visceral da partitura de Giuseppe Verdi. A ausência de cenário paredões metálicos, cortinas negras, essas duas poltronas translúcidas sem sentido já por si constitui um ultraje aos espectadores que ali se mantinham com expectativas legítimas.
criticacomoseta.blogspot.com
E então, num gesto que resumia o desrespeito completo ao público, o protagonista (o barítono Craig Colclough como Macbeth) abandonou o palco para… comer pipoca de vendedor ambulante da fachada do teatro, como se isso fosse encenação, como se isso fosse arte! Um absurdo que transforma a plateia em cúmplice de uma farsa, e reduz o público à condição de “imbecis” expressão que ficou explícita, e por isso legítima, no protesto coletivo.
Não se trata aqui de mera preferência por “tradição versus modernidade”. Trata-se de respeito, respeito à obra, ao compositor, ao público. Quando se impõe um espetáculo como se fosse performance de rua num corre-corrente de provocação, e ainda se espera aplausos, ou silêncio conivente, o resultado só pode ser o que vimos: vaias e gritos.
Se essa produção tinha algo para oferecer além da anedota, ele ficou enterrado sob a vaidade pessoal da direção cujo único cenário visível era a ostentação do que não havia e sob o compromisso de tratar a plateia como espectadora de um choque, e não como público de uma experiência artística relevante. É uma afronta ao público que se deslocou com expectativa, aos cantores que ali lutavam por dignidade, e ao próprio teatro que abriga tradições centenárias.
Portanto: sim, “VERGONHA” ecoou corretamente. E sim, o erro maior não está apenas na falta de cenário, ou na impropriedade da encenação está na opção consciente de escarnecer da arte e da plateia.
Que se registre, então, como um aprendizado ou como advertência de que modernização não significa barbárie. E que a próxima vez o público espere algo com sentido, criatividade e respeito, e não essa pantomima que aqui assistimos.
Faz falta uma direção por gente com cancha em ópera, mas isso é chover no molhado. Talvez trouxa seja eu, que sigo ano após ano esperançoso, renovando um programa anual cada vez mas salgado, especialmente pelo que entrega.
4 de novembro de 2025 às 08:17
As projeções, que poderiam enriquecer a narrativa, acabaram longas e forçadas, e o que deveria ser tragédia virou paródia. Ver produtos de limpeza usados como símbolo de sangue foi constrangedor, e a famosa floresta de Birnam se transformou em um caos de flores e confusão. O duelo final, fora de cena, só confirmou o esvaziamento geral. No fim, o público saiu antes do encerramento, em silêncio e frustração. Faltou direção, sobrou pretensão.
Suas críticas têm embasamento irrefutável e referências históricas que conferem a ela uma consistência substancial.
Políticas públicas precisam ser alvo de análises sérias e tão imparciais quanto possível.
Marco Antonio cumpre esse papel, criticando o espetáculo de A a Z, apresentando sólidos argumentos técnicos e históricos e apontando o que está em desacordo, bem como os méritos existentes.
Seu trabalho expõe os equívocos de uma gestão cultural com todos os sintomas de amadorismo, exercendo o papel que se espera de um profundo conhecedor do assunto e inconformado com o tratamento dado aos eventos culturais de nosso querido Teatro Municipal.
Que ele continue a exercer seu papel vigilante, expondo as mazelas que precisam ser expostas.
Descobri depois que a diretora estava estreando no gênero e logo com Macbeth! É como colocar alguém que acabou de tirar a carteira para pilotar um avião. Uma pena, porque o trabalho musical foi de primeira. Recomendo apenas para quem quer ouvir boa música, não para quem espera uma encenação à altura.
A sra. Andréia Caruso Saturnino, intendente -ou diretora artística- que escolhe quem dirige e é alinhado ao seu experimentalismo tosco oriundo de um teatro alternativo de baixa qualidade.
Essa senhora odeia ópera e quem gosta dela.
Simples assim !!!