Como a Fundação Theatro Municipal / Sustenidos OS Cultura tem traído o legado de nosso imortal compositor, favorecendo modismos, mutilações e produções ideologizadas em lugar da verdadeira excelência gomesiana.

Como a Fundação Theatro Municipal / Sustenidos OS Cultura tem traído o legado de nosso imortal compositor, favorecendo modismos, mutilações e produções ideologizadas em lugar da verdadeira excelência gomesiana. 

 

Introdução

É inacreditável, escandaloso mesmo, o desprezo, o vilipêndio e o esquecimento a que está sendo submetido Carlos Gomes, sob a tutela da Fundação Theatro Municipal de São Paulo, administrada pela Sustenidos Organização Social de Cultura.

Nascido em Campinas, a 11 de julho de 1836, Carlos Gomes é honra do Brasil o maior compositor das Américas, imortal, que levou o nome do país da Europa ao mundo inteiro. E, contudo, parece que seu nome, sua obra e seu espírito estão sendo sistematicamente apagados em sua própria casa.

I. O silêncio sobre O Burrico de Pau e a Sonata para Cordas

Nem mesmo sua Sonata para Cordas, popularmente conhecida como quarteto “O Burrico de Pau”, é apresentada pelo Quarteto de Cordas da Cidade de São Paulo de maneira digna ou frequente aos munícipes de nossa metrópole — de norte a sul, de leste a oeste.


O subtítulo “O Burrico de Pau” refere-se ao quarto movimento da sonata, que é vivaz, humorístico, imita sons e movimentos de brinquedo infantil. A peça foi composta para dois violinos, uma viola, um violoncelo e contrabaixo acústico (este opcional), mas frequentemente executa-se em versão de quarteto de cordas (sem contrabaixo).

Tal esvaziamento de representatividade demonstra o diminuto compromisso da entidade gestora com a memória e a execução plena da música de Carlos Gomes.



Carlos Gomes em sua juventude à época de seu primeiro triunfo:  "Il Guarany"  (1870) quando estreou-a no Teatro alla Scala, em Milão

II. As mutilações em O Guarani e a pseudoencenação ideológica

Em fevereiro de 2025, ocorreu uma reapresentação de O Guarani no Municipal. Essa montagem, embora tenha potencial, transformou-se em paráfrase ideológica da obra: cortes extensos no prelúdio original, supressão de cenas do quarto ato, mutilação do bailado indígena do terceiro ato, substituição ou acréscimos de danças indígenas fora da composição original para a qual o próprio Carlos Gomes, em seu tempo, buscou construir instrumentos típicos regionais brasileiros (casca de coco, cocaréco, querequexé, caracaxá, maracas, guayo, cuíro...em troca de danças de autor desconhecido), ao lado de cenários e figurinos grotescos e completamente alheios ao estilo, contexto histórico e temporal do compositor.

Proclamou-se essa produção como “o melhor espetáculo / maior encenação da América Latina de 2023”, título outorgado pela OLA (Ópera Latinoamericana) — um rótulo comprado, enganador ao público brasileiro e internacional, que induz a crer que a obra original de Carlos Gomes estaria sendo respeitada integralmente.

III. Títulos esquecidos, grandiosidade ignorada

Ainda no repertório do compositor, não se cogita sequer apresentar títulos de suma importância como:

  • Salvator Rosa

  • A Noite no Castelo

  • Joana de Flandres

  • o poema vocal-sinfônico Colombo (1892), belíssima página coral-sinfônica em homenagem a Cristóvão Colombo no IV Centenário do Descobrimento da América

Tampouco têm retorno ao palco grandiosas óperas como Maria Tudor (1878); Lo Schiavo (1889); Condor (1891), óperas que permanecem vilipendiadas ausentes do palco de forma sistemática há mais de quatro décadas ; a última foi em 1979; exatamente no palco que traz em seu patrono, em sua inspiração artística, Antonio Carlos Gomes.

IV. A dolorosa programação prevista para 2026

Enquanto essas obras essenciais e históricas continuam esquecidas, já se anuncia para 2026 uma temporada lamentável, sem qualquer critério artístico e sem compromisso histórico ou pedagógico. Programações que priorizam:

  • obras experimentais de compositores contemporâneos obscuros

  • interesses políticos-partidários sobre valor musical ou relevância cultural

  • ausência de evolução ou continuidade histórica no repertório

Isso é menosprezar não apenas Carlos Gomes, mas também o público pagante, a memória nacional, a própria missão cultural do Theatro Municipal, que deveria zelar pela excelência, pela tradição e pela autenticidade.

V. Conclusão: Um apelo indignado

Exige-se, com urgência, da Fundação Theatro Municipal de São Paulo e da Sustenidos OS Cultura:

  1. Que se restitua a obra original de Carlos Gomes como base de qualquer encenação sua — com libreto, trilha sonora, cenários e figurinos condizentes com sua época, estilo e caráter.

  2. Que se requeiram títulos esquecidos do repertório gomesiano — Salvator Rosa, A Noite no Castelo, Joana de Flandres, Colombo, Maria Tudor, Lo Schiavo, Condor — sejam trazidos de volta ao palco com seriedade, pesquisa e compromisso artístico.

  3. Que se reveja a programação de 2026 de forma transparente, rompendo com modismos ideológicos que mutilam o legado, enganando o público e ferindo a dignidade cultural.

  4. Que se preste contas publicamente: justificativas, memórias de decisão, critérios artísticos, peças propostas e rejeitadas, montagens originais versus adaptações ideologizadas.

Somente assim se poderá honrar verdadeiramente o legado do compositor que tanto fez por nossa música, por nossa cultura. Carlos Gomes não merece ser figura decorativa ele merece ser centro, voz firme, inspiração verdadeira.

Artigo escrito por Marco Antônio Seta em 15 de Outubro de 2025

Comentários

Vilmar Saesa disse…
Critico que coloca o dedo na cara.
A ponto de “vilipêndio” é forte, mas acho que não é exagero: ao rasgar a obra original de Carlos Gomes, ao desviar cenários, figurinos, cortes ideológicos tudo isso vai além de simples modernização, é desrespeito com a memória e com o próprio público. Ele tem razão ao dizer que essas escolhas mutilam a essência da obra, e que é uma tragédia ver o compositor sumir do seu próprio teatro.
Também acho certeiro o apelo por transparência. Quando decisões culturais ficam escondidas atrás de justificativas vagas ou resumos ideológicos, quem sofre é a arte e quem perde é quem ama música, cultura, história. Concordo que a Fundação Theatro Municipal e a Sustenidos têm obrigação de prestar contas, voltar ao compromisso com autenticidade e resgatar os esquecidos do repertório.
Jadson Mundim disse…
Concordo plenamente com o que o Marco Antônio Seta escreveu. É revoltante ver como tratam o legado de um gênio como Carlos Gomes. Em vez de valorizarem nossa história musical, parece que querem apagar tudo o que representa a verdadeira arte brasileira. Ele tem toda razão ao cobrar respeito e responsabilidade das instituições envolvidas afinal, o Theatro Municipal deveria ser um templo da cultura, não palco de experimentos que distorcem a obra original. Excelente texto, falou o que muita gente pensa e não tem coragem de dizer.