O IMPRESSIONISMO DE DEBUSSY E O REALISMO LÍRICO DE PUCCINI

Debussy e Puccini: Dois Mestres na Fronteira dos Séculos XIX e XX

Escrito por Marco Antônio Seta

    Entre os compositores do século XX, Claude Debussy e Giacomo Puccini apresentam estilos distintos, mas que compartilham uma peculiaridade: ambos nasceram no século XIX, atravessaram para o XX e nele permaneceram até o fim de suas vidas, deixando legados que marcaram profundamente a história da música.

    Claude Debussy nasceu em Saint-Germain-en-Laye, em 1862, e foi aluno do Conservatório de Paris. Sua obra frequentemente recebeu títulos poéticos, como Jardins sous la pluie, Des pas sur la neige, Nuages, Sirènes, La Cathédrale engloutie, Clair de Lune, La Mer, Nocturnes, Arabesques e Rêverie. Essas peças, assim como suas orquestrações e suas criações pianísticas, revelam o “músico-pintor” que transformava sons em verdadeiras telas impressionistas. Debussy morreu em Paris, em 1918, aos 55 anos, vítima de câncer, deixando um catálogo de obras-primas cuja originalidade atingiu completa maturidade.

    Na juventude, com a cantata L’Enfant prodigue, foi comparado aos pré-rafaelitas; mais tarde, com o Prélude à l’après-midi d’un faune e os Nocturnes orquestrais, passou a ser rotulado de impressionista — um rótulo aceito quase unanimemente, embora em obras tardias, como os Études para piano e o balé Jeux, se perceba uma aproximação com a ousadia cromática dos fauvistas. Sua ópera Pelléas et Mélisande (1902), baseada em poema dramático de Maurice Maeterlinck, levou dez anos para ser composta e marcou a evolução da ópera moderna. Romain Rolland afirmou que sua estreia foi “um acontecimento muito notável na história da música francesa... uma das datas marcadas com pedra branca no calendário de nossos palcos líricos”. Já a suíte Images teve sua segunda parte, Ibéria, estreada em 1910 pela Orquestra Colonne, sendo ainda hoje frequentemente executada isoladamente em concertos.

    Giacomo Puccini, por sua vez, confirma-se como compositor do século XX já em 1900, com a estreia da ópera Tosca, em 14 de janeiro, no Teatro Costanzi, em Roma. O célebre amanhecer no pátio do Castelo de Sant’Angelo, descrito no início do Ato III, é exemplo de sua habilidade em criar atmosferas sonoras por meio de uma linha melódica descritiva, acompanhada pelo canto distante de um pastor. Do mesmo modo, o Intermezzo de Suor Angelica — que expressa o lirismo pungente da dor da protagonista ao saber da morte do filho — e o de Manon Lescaut, no Ato III, com a cena do embarque rumo à Louisiana, revelam a capacidade do compositor de aliar emoção intensa e dramaticidade.

    Em Madama Butterfly (1904), Puccini pinta o amanhecer em Nagasaki com pinceladas sonoras que incluem o canto dos marinheiros no porto, numa verdadeira aquarela musical. Mais tarde, com Il Trittico (1918), atinge uma diversidade de expressões: Il Tabarro, obra de densidade dramática e intensidade quase brutal, com ressonâncias do “grand guignol” francês; Suor Angelica, carregada de lirismo sentimental; e Gianni Schicchi, comédia de gênio inventivo. Finalmente, em Turandot, estreada em 25 de abril de 1926 no Teatro alla Scala, sob regência de Arturo Toscanini, Puccini revela-se surpreendentemente moderno, aproximando-se das harmonias de Arnold Schönberg (1874-1951), Igor Stravinsky (1882-1973) e do próprio Claude Debussy.

    Assim, tanto Debussy quanto Puccini, cada qual em sua linguagem, foram compositores que absorveram o espírito de transição entre séculos e deixaram um legado de inestimável valor, que continua a dialogar com a modernidade.

    Note bem: lamentavelmente, ao comparecer à Sala São Paulo, no domingo às 11 horas de 7 de setembro de 2025, verificamos que, ao se tratar do Dia da Pátria, nem mesmo a direção artística, tampouco o maestro da Orquestra Sinfônica de Piracicaba, como também o maestro preparador do coro Hernán Sánchez Arteaga, responsáveis pela execução da IX Sinfonia de Beethoven, se lembraram de fazer executar o Hino Nacional Brasileiro pelo Coral Lírico do Theatro Municipal e pela própria Orquestra Sinfônica de Piracicaba. Um lapso imperdoável de falta de civismo e de respeito à nossa Pátria.


Comentários

Carlos Martins disse…
Marco Antônio, minha admiração por sua análise profunda é antiga, e seu texto sobre Debussy e Puccini encheu-me de emoções como se ouvisse, ao mesmo tempo, pinceladas sonoras e melodias intensas brotarem diante de mim.
Debussy, esse verdadeiro 'músico-pintor', sempre me encantou com suas paisagens sonoras que parecem emergir como pinceladas impressionistas: ‘Clair de Lune’, ‘Nuages’, ‘La Mer’... cada nota nos transporta a um universo visual, quase etéreo, onde o som se dissolve numa névoa de sensações. Sua ‘Pelléas et Mélisande’ e os Nocturnes redefiniram a ópera uma poética refinada, revolucionária, justamente porque parece flutuar entre o sonho e a cor. Seu legado impressionista é tão fresco hoje quanto era em seus dias
Puccini, por sua vez, é a antítese vibrante o coro que rompe o silêncio e envolve-nos sem cerimônia. Desde o amanhecer inquieto de Tosca até a fábula melancólica de Madama Butterfly, suas óperas oferecem uma paleta emocional riquíssima, quase cinematográfica. Il Tabarro, Suor Angelica e Gianni Schicchi, juntos como Il Trittico, revelam seu alcance dramático ora sombrio, ora profundamente comovente ou espirituoso com humor refinado
Mas é com pesar que descubro e agradeço sua franqueza ao registrar um momento que, de tão significativo, torna-se inacreditável: em pleno Dia da Pátria, a Sala São Paulo e a Orquestra Sinfônica de Piracicaba deixaram de executar o Hino Nacional Brasileiro. Fato que transgride qualquer desculpa: nem o maestro principal, nem o preparador do coro lembraram-se do gesto cívico mais elementar. Uma falha de sensibilidade e de respeito. Em tempos tão marcados pelo distanciamento e pela crise cultural, nos deixa perplexos e entristecidos
Marco Antônio, sua análise é, portanto, ainda mais valiosa porque funde sensibilidade estética e senso crítico. Que possamos sempre escutar Debussy como quem vislumbra uma paisagem em tons pastéis, e Puccini como quem fala e chora, ora declama e sofre e que nunca nos falte a lembrança do respeito à nossa própria história e símbolos.
Lourdes Maziello disse…
Fiquei espantada ao ver que o grupo esqueceu o hino, algo tão simbólico e que deveria estar na memória coletiva. Sou uma grande amante da ópera e da música clássica, e encontrar um blogue que dedica espaço a esse universo é uma alegria imensa. É raro ver alguém escrever com tanta paixão sobre temas que, para mim, são tão vitais. Parabéns pelo trabalho, estarei acompanhando com entusiasmo.
Anônimo disse…
É inadmissível que um grupo esqueça o hino, um símbolo maior da nossa identidade e respeito coletivo. Isso não é apenas um deslize, é um reflexo da falta de comprometimento com a memória cultural e com a seriedade que a música exige. Fiquei realmente decepcionado ao ver tamanha negligência em algo tão essencial.
Realmente vergonhoso que dois maestros estrangeiros trabalhando e usufruindo das regalias brasileiras se permitam equivocar, desrespeitar e se omitirem ao dia da Pátria brasileira, onde eles estão em atividades laborativas, gostando e usufruindo de todas as vantagens a que lhe são pertinentes.
Josefa Turfon disse…
Curioso como algo tão marcante como o hino pode ter sido esquecido. No fim, fica o aprendizado e a lembrança de que certos símbolos não podem ser deixados de lado. Gostei muito do artigo e da forma como conduz a reflexão sobre a música
Lamentavelmente se esqueceram de celebrar a Pátria no dia da Pátria. Homenagearam sim Beethoven e a sua grandiosa IX Sinfonias Coral. Imperdoável...que sejam responsabilizados os dois maestros ( da Orquestra Sinfônica de Piracicaba e do Coro Lírico Municipal de São Paulo ).
Não. dá para aceitar esse esquecimento.
Anônimo disse…
O artigo levanta pontos interessantes sobre Debussy e Puccini, mas poderia ser mais objetivo. Faltam exemplos musicais que sustentem as comparações, e a mudança de tema para a questão do Hino Nacional acaba desviando o foco da análise. Com mais clareza e aprofundamento, o texto ganharia ainda mais força.
Observe a ressalva...Note bem :
Aí vc entenderá que o Hino Nacional Brasileiro não poderia, em hipótese alguma, ser preterido por qualquer que fosse a peça bisada no concerto.
Foi o maior escárnio já visto por minha pessoa . Um verdadeiro absurdo em pleno domingo 7 de Setembro !