DO ORGULHO À VERGONHA: MUNICIPAL DE SÃO PAULO REBAIXADO À MEDIOCRIDADE. Escrito por Marco Antônio Seta.
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
A casa que já brilhou com Villa-Lobos, Verdi , Carlos Gomes, Bizet e Wagner agora é submetida a experimentalismos vazios e reprises burocráticas.
Theatro Municipal de São Paulo recebeu Villa-Lobos, Mascagni e Stravinsky em seu palco para dirigir suas composições.
Iniciando a temporada de 2026, entre 27 de fevereiro e 7 de março, o Theatro Municipal de São Paulo apresenta, em sete récitas — número mínimo que já se tornou praxe empobrecedora — a reposição de O Amor das Três Laranjas, de Sergei Prokofiev. Mais uma vez, o público é brindado com uma reprise decidida sabe-se lá por quem, sem justificativa artística ou administrativa. Trata-se de uma escolha burocrática, que reitera a falta de imaginação e de critério da gestão: em vez de ousar com novas produções ou resgatar títulos esquecidos do grande repertório, seja barroco, clássico, romântico, verista, impressionista, ou moderno e contemporâneo, prefere-se recorrer a um Prokofiev já visto, sem que se ofereça uma razão sequer. É o retrato de uma temporada conduzida no piloto automático, sem norte cultural.
A segunda ópera, Intolleranza, de Luigi Nono, em cartaz entre 29 de maio e 8 de junho, surge como a estreia latino-americana de um título de vanguarda, alardeado por seus recursos experimentais — projeções, textos fragmentados, filmes, sons eletrônicos. Entretanto, o que se anuncia como inovação pouco acrescenta ao universo lírico: aproxima-se mais de instalação multimídia do que de ópera. Longe de emocionar ou de dialogar com a tradição, o espetáculo corre o risco de afastar o público fiel do gênero. E é inevitável lembrar que o Municipal já foi palco de estreias brasileiras de grande peso moderno em seu tempo, como "Pedro Malazarte", de Camargo Guarnieri (1932), "Yerma" (1959), estreada no Rio de Janeiro em 1983; "A Menina das Nuvens" (1960) e "Maddalena" (1912, estreada tardiamente), todas de Villa-Lobos. Obras que, ainda que modernas, mantinham vínculo com a tradição operística e revelavam identidade cultural brasileira. Em contraste, Intolleranza soa como modernismo hermético, imposto sem diálogo, prova de uma curadoria voltada ao exibicionismo intelectual, não ao serviço da ópera.
Simon O'Neill, tenor neozelandês será o Tristão, de (Richard Wagner)
A terceira ópera será Tristão e Isolda, de Richard Wagner, entre 22 de julho e 2 de agosto, em apenas cinco récitas. Uma obra monumental, que o Municipal não apresenta desde 1978 —( com o tenor Karl-Walter Boehm, Rose Wageman e Rudolf Holtenau ) com mais de quatro décadas de ausência! — retorna agora como raridade isolada, quase peça de museu. Não há continuidade, não há nenhum projeto wagneriano, apenas um evento pontual para dar ares de grandeza. Logo depois, entre 18 e 26 de setembro, chega Don Carlo, de Giuseppe Verdi, após inacreditáveis vinte e dois anos sem ser encenado em São Paulo. Não é relançamento festivo: é prova cabal do abandono do repertório fundamental. O que deveria ser parte orgânica da temporada lírica é tratado como raridade arqueológica, resultado da incompetência administrativa da Sustenidos, que reduziu Verdi e Wagner a migalhas ocasionais.Atalla Ayan, Luiz-Ottavio Faria e Ailyn Pérez compõem o cast desta ópera de G. Verdi (1813-1901 ).
No balanço final, o quadro é cristalino: uma temporada que deveria ser expressão máxima da vida lírica da cidade é reduzida a um mosaico disforme. Reprises sem sentido, modernismos estéreis, raridades apresentadas como se fossem “descobertas”, títulos fundamentais negligenciados por décadas, encenações entregues a amadores do métier. Uma verdadeira colcha de retalhos, desprovida de critério artístico, coerência ou visão de longo prazo.
O Theatro Municipal de São Paulo, outrora palco de temporadas que rivalizavam com os grandes centros internacionais, vê-se hoje submetido à mediocridade da Sustenidos Organização Social de Cultura. Em vez de construir tradição, forma-se descontinuidade; em vez de dialogar com o público, impõe-se hermetismo; em vez de celebrar a ópera, improvisa-se um calendário desconexo. A temporada de 2026 não é vitória: é derrota anunciada, prova de que a maior casa de ópera do país foi sequestrada por uma gestão que desconhece a arte lírica, despreza sua história e insulta sua plateia.
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Comentários
Você fala em “má-fé” do crítico, mas onde está a sua boa-fé, se em nenhum momento você rebate dados, fatos ou análises concretas? O texto original demonstra, com clareza, repetição de repertório, escolhas artísticas questionáveis e uma gestão que se distancia do prestígio histórico do Municipal. Você, em contrapartida, se limita a frases genéricas como “palco de dias de glória” e “performances de altíssimo nível”. Isso não é argumento, é um apelo emocional barato.
É cômodo demais se refugiar na defesa abstrata de uma instituição centenária. O que se exige de um debatedor sério é coragem de reconhecer que, sim, o Theatro Municipal carrega uma história gloriosa, mas está, hoje, rebaixado a um estado de mediocridade estrutural e programática. Fingir o contrário é alimentar a ilusão de que “tudo vai bem” enquanto o público se perde e o prestígio internacional se dissolve.
Você diz que “é fácil escrever de fora atacando a instituição”. Errado. Difícil é escrever com lucidez, responsabilidade e conhecimento histórico, expondo a decadência de maneira argumentada, sem ceder à bajulação ou à autoproteção institucional. É justamente isso que o texto criticado faz, e é exatamente o que o seu comentário não faz. O seu discurso não passa de um escudo vazio, um panfleto de apologismo ingênuo que não enfrenta a crise, apenas a mascara.
O Theatro Municipal não precisa de bajuladores servis que confundem crítica com desrespeito. Precisa, sim, de críticos que tenham a coragem de apontar os erros para que possam ser corrigidos. Defender a instituição cegamente é contribuir para a sua ruína. E é esse o paradoxo que você, Leo Marques, se recusa a enxergar.
.