CULTURA EM RUÍNAS: CULPA DA SUSTENIDOS

 

A destruição silenciosa do Theatro Municipal nas mãos de uma gestão despreparada e desconectada da arte lírica, 

Escrito por Marco Antônio Seta

        
        Nos últimos anos, temos testemunhado o desmonte silencioso, mas profundamente destrutivo, da mais importante instituição cultural da cidade de São Paulo: o Theatro Municipal. Esse processo de deterioração não é fruto do acaso. Ele vem sendo operado com metódica eficiência pela Sustenidos Organização Social de Cultura, entidade que, sob a roupagem de gestão moderna, tem implementado um projeto que, ao que tudo indica, aposta na destruição da tradição, na deseducação das plateias e na degradação do teatro lírico.

        A Sustenidos vem substituindo a experiência pela improvisação, o conhecimento pela superficialidade e a cultura pela pirotecnia populista. As consequências são visíveis: montagens mal dirigidas, escolhas artísticas duvidosas, desprezo pelos grandes compositores universais e nacionais, e uma desestruturação das temporadas operísticas e sinfônicas. Para os que ainda resistem, a frustração é constante. Lembremos da "Aida" de 2022,  com Bia Lessa na destruição da cena, da iluminação cênica, do desmonte dos cenários e figurinos;  das inserções inadequadas, dos cortes e das mutilações da obra do imortal compositor Carlos Gomes ("IL GUARANY"); à obra prima de Verdi, primeira grande ópera do mestre da península italiana ao desastroso enfoque cênico e musical, dos banhos de água aos cantores líricos em cena aberta,  da ausência da 2ª harpa no Ato I e,  após,   do órgão em "Va pensiero"..., com mutilações e gravações de banda sul palco, preterindo os músicos da própria Orquestra Sinfônica Municipal ou da Orquestra Experimental de Repertório ou ainda dos alunos da Escola Municipal de Música do Complexo do Theatro Municipal;  da ópera "Nabucco", página histórica da vida do próprio Giuseppe Verdi e ainda do corte da cena final da ópera, quando Zaccaria profere as suas últimas observações bíblicas; adicionadas das loucuras, barbaridades inadequadas  e palhaçadas ridículas de Hugo Possolo em Don Giovanni do genial Wolfgang Amadeus Mozart. Quais serão as próximas na ópera de Puccini, Strauss, Gershwin , Verdi, e nos concertos de Stravinsky 1882-1973; "Alexander Nevsky"), depois Rimsky -Korsakoff (Sherazade 1844-1908);  Missa de Bernstein, Leonard) anunciada para 20 e 22 de dezembro p.f.

        É preciso dizer com todas as letras: a gestão atual da Sustenidos está falhando gravemente em sua missão pública. Dados do Tribunal de Contas do Município (TCM) revelam sucessivas falhas de planejamento e transparência na prestação de contas da instituição. Em 2023, por exemplo, a Controladoria Geral do Município apontou problemas em contratações e uma gestão orçamentária questionável. O resultado é que milhões de reais foram aplicados sem retorno cultural efetivo à população.

     Sob o pretexto de "democratização da cultura", a Sustenidos aposta em um tipo de programação que afasta o público tradicional sem formar um novo. Apostam em "inovações" que excluem a excelência artística, desestimulam a formação de plateias e tornam o Theatro Municipal um espaço desfigurado, onde obras-primas de Mozart, Beethoven, Verdi, Bizet,  Puccini, Wagner, Strauss, Mahler, Britten,  são substituídas por experiências pretensamente contemporâneas, muitas vezes incoerentes, deturpadas quanto à execuções, mal realizadas e descoladas da tradição operística e ou coral-sinfônica. 

      Os grandes compositores nacionais, como Carlos Gomes e Heitor Villa-Lobos, estão arquivados nas estantes, desaparecidos das temporadas. Jovens estudantes e professores enfrentam obstáculos quase intransponíveis para levar grupos escolares a assistir a uma ópera,  um concerto da OSM ou da OER e também aos  espetáculos do Balé da Cidade de São Paulo.  Os programas educacionais, que deveriam ser carro-chefe de uma instituição cultural de referência, estão sucateados ou são inexistentes. Onde está o compromisso com a educação musical? Aliás, para quê Educação Musical no Theatro Municipal de São Paulo ? Somente para ilustrar, há um projeto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde uma das récitas das óperas alí encenadas, é direcionadas às escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro (Projeto Escola Arte Educação Petrobrás). 

    A Sustenidos Organização Social de Cultura nada faz nesse sentido de atrair os nossos alunos à formação de novas plateias para a ópera e ao teatro lírico nacional. E muito menos a qualquer concerto sinfônico de seus corpos artísticos. 

        Ao negar o acesso e o contato direto dos jovens com o que há de mais sublime na produção musical e cênica da humanidade, a Sustenidos perpetua a ignorância cultural e compromete o futuro da música de concerto no Brasil. O resultado não pode ser outro: o público tradicional se afasta, e no lugar dele ficam os iniciantes, sem referência, sem formação e, sobretudo, sem horizonte.

    O Theatro Municipal é um patrimônio do povo paulista e brasileiro. Sua gestão não pode ser entregue a experiências fracassadas, improvisadas ou conduzidas por interesses que desconhecem a história, o repertório e o papel social da arte. É hora de exigir transparência, competência e responsabilidade. A cultura não é um produto descartável. O que está em jogo é a alma de uma instituição centenária e o futuro das próximas gerações.

Chega de omissão. A sociedade precisa reagir.

Comentários

Realmente, não há como discordar das críticas acima. Infelizmente, as produções do TMSP vêm, nos últimos anos, desfigurando as óperas do cânone lírico. São tantos os enxertos, as inovações e os maneirismos "interpretativos" que grande parte do conteúdo cénico e musical destas obras é adulterado em troca de agendas e inserções "ativistas", individualistas e totalmente anacrônicas, que banalizam e empobrecem as grandes óperas clássicas.
Anônimo disse…
Deixei de ser assinante do TMSP, exatamente pelos motivos expostos pelo jornalista e. Rítmico de opera, Marco Antônio. Oxalá suas palavras tenham eco e cheguem a ouvidos que possam reestruturar a tragetoria do Teatro
Anônimo disse…
Concordo que a gestão da Sustenidos no Theatro Municipal de São Paulo apresenta falhas graves, confirmadas por apontamentos do TCM, disputas com os corpos artísticos e problemas de transparência. No entanto, considero que o texto original peca pelo excesso de dramatização e pela falta de dados concretos que sustentem afirmações tão contundentes. Há problemas evidentes na condução pedagógica e na qualidade artística, mas também existem resultados inegáveis, como a realização de mais de 2.300 atividades e prêmios internacionais recentes, que não podem ser simplesmente ignorados. Uma crítica técnica precisa equilibrar esses aspectos, apresentando evidências verificáveis, como relatórios oficiais, metas descumpridas e cláusulas contratuais, além de propor indicadores claros para avaliar qualidade, público e governança. Assim, a discussão deixa de ser apenas um desabafo e passa a ser um instrumento eficaz de transformação e pressão por uma gestão cultural mais transparente e responsável.
Anônimo disse…
Passar pano
,é isso que o comentário anônimo quer fazer. Seguramente alguém de dentro do staff, que quer tampar o sol com a peneira, ou acha que tem algum idiota que está lento isso agora?! Todos sabem os problemas e inclusive jogatas com empresários da Europa e daqui. Ao invés de aproveitar ao máximos os elementos nacionais, ficam trazendo de fora artistas menos preparado. Sem falar as encenações. O posto aqui é sobre isso, sacou?
Anônimo disse…
A crítica apresentada no blog “Cultura em Ruínas: Culpa da Sustenidos” é pertinente ao apontar falhas estruturais na gestão cultural do Theatro Municipal, pois a redução orçamentária e os cortes artísticos comprometem a integridade das produções, indo contra princípios básicos da ópera e das políticas culturais previstas no Sistema Nacional de Cultura e na Constituição Federal (arts. 215 e 216). Dados do TCM-SP (2023) indicam irregularidades na execução orçamentária e priorização de marketing em detrimento da formação de público, aspecto essencial para sustentabilidade cultural e amplamente adotado em modelos bem-sucedidos, como os programas educativos do Opéra National de Paris e do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Contudo, a crítica original perde força ao carecer de dados concretos e referências técnicas, o que seria fundamental para robustecer o argumento e pressionar por políticas consistentes que preservem tanto o patrimônio histórico quanto a qualidade artística, reforçando a urgência de ações baseadas em planejamento, transparência e compromisso com a educação cultural.
Pedro Martins disse…
Não sou especialista no assunto, mas acredito que a cultura é fundamental para a sociedade. Se está em declínio, certamente existe responsabilidade envolvida. Na minha opinião, é necessário mais apoio e menos burocracia, pois no final quem perde somos todos nós.
Marco Antonio Seta diz: que não está aqui para apontar falhas técnicas e dados concretos, os quais são deveras conhecidos pela Sustenidos Organização Social de Cultura e pelo público atento e conhecedor da verdadeira Arte, da ópera, da literatura musical coral e sinfônica, da música de câmara. do balé clássico, folclórico ou à caráter, ou contemporâneo, e assim por diante. Ademais, ele não vai ensinar como se deve proceder e muito menos dar as metas, as estratégias. os objetivos gerais e específicos que norteiam uma administração artística, técnica e cultural, como também os veículos de ensinamentos a essa "Sustenidos". A falta de qualidade artística é visível a muitos daqueles que ainda frequentam o teatro e, infelizmente daqueles que já se afastaram do Teatro Municipal, justamente por essas pseudo-atuações a que se propõem a nos apresentar e que distanciaram os mesmos a nunca mais voltarem ao Theatro Municipal de São Paulo. N.B. o que dizer de uma organização que pretendia desmontar o Coral Lírico do Theatro Municipal, através de provas técnicas aos mesmos cantores de coral que lá estão, através de provas técnicas e interpretativas > às quais já se submeteram anteriormente ? Igualmente, se pode grifar a contratção de artistas líricos de pouca visibilidade internacional para aqui assumirem papéis protagônicos, sem as mínimas condições técnicas e artisticas (só lembrando de uma Cio-Cio-San que não sabia de cor a ópera e se equivocou mais de uma vez no libreto de Luigi Illica e Giuseppe Giacosa, com origem na peça teatral de David Belasco.; ou de uma Abigaille da ópera Nabucco, de G. Verdi (1842) sem condições técnicas e musicais, tampouco cênicas para um personagem tão grandioso, e dos mais exigentes da galeria feminina do insigne compositor italiano). Aqui o espaço é curto para enumerar todas as incongruências a se
citarem, ópera após ópera encenadas no Theatro Municipal por essa Sustenidos Organização Social de Cultura.
Gilberto A. M. Chaves - Belém disse…
Fiquei contente e de alma lavada com sua crítica, corajosa, honesta, necessária e competente, denunciando a anti-cultura promovida pelo TM de SP, não só equivocada, desonesta, sem nenhum embasamento no campo do conhecimento, dolosa, seguindo a odiosa ideia de a Gransci, cujo objetivo é minar a sociedade, destruindo seus valores culturais. A aberração do Guarani, desrespeitando a obra gomesiana de maneira que chega ao nojento. Nada contra índio, mas seus cânticos deformando a obra do nosso maior compositor do século XIX, além de desfigurar cenicamente com equívocos da máxima burrice, feita para depreciar em vez de engrandecer a obra do mestre campineiro, sem falar sobre o péssimo figurino e o cenário de "mauvais goût". Quanto ao D. Giovanni, o massacre desferido à obra genial de um dos cinco maiores gênios da humanidade, literalmente apedrejando com excrementos a obra prima do mestre de Salzburg. Chamar ao diretor de imbecil é pouco, mas, convenhamos, ele não é o culpado principal e sim os que o contrataram. Na época, em correspondência com meu amigo, grande crítico, Leonardo Marques, e, também, com minha amiga Rosana Caramaschi, desabafei e disse que se eu fosse acessor de Deus, botava na cela os três, o maestro, os diretores do Guarani, e do D. Giovanni, a pão e água por 24 horas para aprenderem a respeitar os grandes nomes, a cultura e o povo Paulista.
Anônimo disse…
Muitas verdades ditas no texto.
Mas É de se avaliar que essa "culpa" não somente tem a Associação Cultural, mas o próprio Theatro também, pois se trata de uma fundação que tem presidência e direção Artística já imposta antes da Associação Cultural assumir a administração. Portanto a culpa não é unilateral, mas sim bilateral, duplamente orquestra ou melhor, não organizada e muito menos administrada. Por falar nisso as escolhas artísticas são tomadas em sua grande maioria, quase que exclusivamente, pela pessoa responsável, que é o diretor artístico e maestro responsável quem "toma" as rédeas.
A verdade é que ao se questionar de quem é a responsabilidade, os culpados não assumem e não se apresentam... aí fica o dito pelo não dito. E fim de papo.
Os envolvidos na discussão tornam-se insatisfeitos e nada melhora, só arruína, ainda mais... !
Lamentavelmente é assim !!!