É importante reconhecer que a arte está em constante evolução e reinterpretar obras clássicas pode ser uma forma de torná-las relevantes para o público atual. A ambientação em um circo e a inclusão de elementos de palhaçaria podem oferecer novas perspectivas sobre os temas da ópera, como a dualidade entre aparência e realidade, e a crítica social. No entanto, é essencial que tais adaptações sejam feitas com sensibilidade e respeito à essência da obra original.
A crítica do comentarista vulgo anônimo, , embora expressa de forma veemente, destaca a importância do debate sobre as abordagens contemporâneas na encenação de obras clássicas. É fundamental que o diálogo entre tradição e inovação seja conduzido de maneira construtiva, permitindo que diferentes interpretações coexistam e enriqueçam o panorama artístico. Ressalte-se que a marcação de cena muda a cada ensaio desta ópera, resultando numa miscelânea de ideias do referido diretor Hugo Possolo. Amplie-se o conteúdo em epígrafe, ressaltando-se a inexatidão na escolha dos intérpretes de certos personagens, comprometendo o rigor da escrita musical desta que é uma preciosidade da obra de Mozart, e o que é pior; a inclusão de textos em português, preterindo os diálogos em italiano (linguagem original do libreto, de Lorenzo da Ponte).
Em suma, a diversidade de opiniões reflete a vitalidade da cena cultural e a necessidade de espaços para discussões abertas e respeitosas sobre as múltiplas formas de expressão artística.
Sobre a agenda de concertos e óperas para 2025;
Concerto: | Ouvir as Cores: 100 anos de Física Quântica : Pode -se salientar o concerto do dia 18/05 da Orquestra Experimental de Repertório, considerarndo o programa interessante com o titulo Concerto | "Ouvir as Cores: 100 anos de Física Quântica" e especialmente a Opera Porgy and Bess prevista a partir de 19/09 vindouro, e mais uma quantidade de títulos estaparfúdios que deixam o público sem saber realmente do que se tratará, em termos de literatura musical propriamente dita ?
Com a gravidade que o momento exige e a exasperação que só a decadência de um templo cultural pode provocar, venho registrar minha crítica veemente — e, sim, profundamente desalentada — à montagem da ópera Don Giovanni no Theatro Municipal de São Paulo, dirigida por Hugo Possolo. O que se apresenta sob o manto de “releitura contemporânea” nada mais é do que uma farsa grotesca travestida de vanguarda, uma pantomima desprovida de qualquer substrato artístico ou intelectual que justifique sua existência.
Trata-se de uma encenação que representa o colapso do rigor cênico, a profanação da partitura mozartiana e a completa desarticulação do sentido dramatúrgico da obra. Ao converter Don Giovanni em um pastiche circense, impregnado de elementos de palhaçaria destituídos de pertinência simbólica, a direção não apenas comete uma violação à integridade do texto original de Lorenzo da Ponte, mas opera uma espécie de desmonte semântico, uma mutilação voluntária da densidade filosófica e moral que estrutura a ópera.
A trivialização do trágico, a banalização do conflito, e a desconstrução arbitrária da forma operística revelam não ousadia, mas ignorância estética. E, pior ainda, arrogância disfarçada de “inovação”. Muda-se a marcação cênica a cada ensaio, como se a instabilidade fosse sinônimo de criatividade. Na verdade, trata-se da mais pura indigência conceitual. Os cantores — verdadeiros reféns dessa balbúrdia encenada — são jogados em um tabuleiro onde impera a incoerência gestual, a vacuidade simbólica e a inconstância rítmica.
Não bastasse o desatino cênico, a substituição dos diálogos originais em italiano por textos em português configura um crime contra o espírito da obra. Trata-se de um gesto de prepotência cultural, que subjuga o idioma original — parte indissociável da musicalidade e da intenção poética do libreto — em nome de uma suposta acessibilidade que esconde, na verdade, um desprezo pelo rigor. A obra de arte não deve ser diluída para acomodar a ignorância, mas elevada para inspirar a elevação.
A cereja desse bolo de despropósitos é o proselitismo ideológico que permeia toda a encenação. Não se trata de arte engajada — seria digno, se fosse. Trata-se de lacração vulgar, de acenos toscos à militância de ocasião, num jogo pueril de polarizações previsíveis. A arte, nesse contexto, é capturada por um discurso panfletário que substitui o conflito por caricatura e o símbolo por bordão. Reduz-se a complexidade da condição humana à superficialidade de slogans identitários. Mozart, nesse processo, é apagado — Da Ponte, silenciado — e o público, subestimado. Inexorável !
Infelizmente, o caso de Don Giovanni não é isolado. A própria curadoria do Theatro Municipal revela uma tendência preocupante: uma programação que ostenta títulos como Ouvir as Cores: 100 anos de Física Quântica, cujo hermetismo pretensioso mascara uma evidente falta de coesão conceitual. São nomes que orbitam a vacuidade, construídos para impressionar incautos, mas que revelam o colapso de qualquer orientação estética consistente. E o que dizer da montagem de Porgy and Bess prevista, cercada de indefinições (solistas de vários personagens ainda não definidos e certos cantores que são anunciados e não aparecem à última hora; igualmente como ocorreu em Aída, Nabucco e, recentemente em O Guarani) e títulos estapafúrdios que transformam o nobre palco lírico em vitrine de experimentalismos mal formulados?
Chegamos, pois, a um impasse ético e cultural. A ópera, que por séculos foi território do refinamento, do conflito ontológico, da elevação estética, está sendo corroída por direções que preferem o escândalo à substância, o efeito à essência, o gesto fácil à densidade. A arte lírica não sobrevive ao esvaziamento de seu núcleo simbólico. O Municipal, sob essa lógica, se converte em arena de vaidades irresponsáveis, onde a ignorância se disfarça de audácia.
O público merece mais. O repertório exige muito mais. E o legado de Mozart clama por restauração urgente. Que esta crítica, dura e implacável, sirva como denúncia e como apelo: pela retomada do rigor, da profundidade e da dignidade artística no mais importante palco operístico do país.
Escrito por Marco Antônio Seta
Jornalista inscrito sob nº 61.909 MTB / SP
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