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1970: O ANO EM QUE O THEATRO MUNICIPAL DE SÃO PAULO RESPIRAVA GRANDEZA E CELEBRIDADES
Da consagração de Niza de Castro Tank à inesquecível Tosca de Elena Souliotis, um contraste doloroso com a mediocridade imposta pela Sustenidos Org. Social de Cultura
Em 1970, o Theatro Municipal de São Paulo viveu uma temporada lírica que permanece como um dos pontos mais altos de sua história. À frente, o empresário Alfredo Gagliotti, que com visão e compromisso artístico articulava o co-patrocínio da Prefeitura e trazia elencos internacionais de peso, em diálogo com artistas nacionais. Nada de improvisos, nada de burocracia cega — havia critério, paixão e respeito pelo público. Hoje, sob a gestão da Sustenidos Organização Social de Cultura, o cenário é outro: temporadas raquíticas, escolhas sem brilho, ausência de ousadia e o esvaziamento da própria alma do Municipal.
O ano foi aberto, com pleno sentido histórico, pela ópera Il Guarany, de Carlos Gomes, celebrando o centenário de sua estreia em Milão. O elenco vinha direto das récitas do San Carlo de Nápoles e do Massimo de Palermo, sob regência de Armando Belardi e direção de Bruno Nofri. Nomes como Sérgio Albertini, Wilson Carrara, Benedito Silva e Niza de Castro Tank deram vida à obra, em cenários e figurinos vindos da Itália, de Roma, com a marca da cenografia Parravicini. O público lotou a sala em 9 e 11 de setembro, celebrando um espetáculo digno do centenário de estreia da ópera no alla Scala de Milão. Após tantas produções desta ópera em São Paulo, esta foi talvez, a maior e mais original que se viu no palco do Municipal. Difícil imaginar, hoje, a Sustenidos com capacidade de pensar e montar algo dessa envergadura. É só lembrarmos do Guarani lacrado, marchetado, mutilado, enxertado e deturpado, apresentado em 2023 e repetido em 2025.
Logo em seguida, nos dias 16 e 18 de setembro, o Municipal recebeu Madame Butterfly, de Puccini, com Mietta Sighele e Ruggero Bondino, em montagem de beleza delicada, lindos figurinos e cenários, com ballet tipicamente japonês "Keiko Wakamatsu" e com a Orquestra Sinfônica Municipal e o Coral Lírico. Dias depois, em 23 e 25 de setembro, a Lucia di Lammermoor transformou-se em noite apoteótica: Niza de Castro Tank foi ovacionada como nunca, numa performance dramática e coloratura impecável, arrancando aplausos que se prolongaram muito além do cair do pano. Ao lado dela, o tenor lírico italiano Ruggero Bondino, Constanzo Mascitti e Mario Rinaudo completavam um elenco afinado, sob regência de Alberto Paoletti. Era a consagração do talento brasileiro em diálogo com o melhor do mundo.
Aos 09 e 11/ de Setembro /1970 no Theatro Municipal de São Paulo ouviram-se Niza de Castro Tank, Sergio Albertini, Wilson Carrara e Benedito Silva em Il Guarany, de Carlos Gomes sob a direção musical de Armando Belardi e Bruno Nofri (regisseur).
Em outubro, a temporada atingiu seu auge. Aída (6 e 9/10) trouxe a monumentalidade de Rita Orlandi Malaspina, Bruno Prevedi, Marta Rose, Gian Giacomo Guelfi, Massimiliano Malaspina, Mario Rinaudo e do soprano paulista Renata Lucci, numa montagem reforçada pela Banda da Polícia Militar do Estado de São Paulo e pelo Corpo de Baile do Teatro Municipal. O gigantismo cênico e sonoro da obra de Verdi encontrou palco à altura com o Coral Lírico e a Orquestra Sinfônica Municipal. Regência do italiano Mtrº concertatore Alberto Paoletti.
Mas foi em 14 e 16 de outubro que o Municipal explodiu em glória com uma Tosca histórica. Elena Suliotis, nos figurinos criados especialmente por Dener Pamplona de Abreu, incendiou o palco ao lado de Gianfranco Cecchele e de um Giangiacomo Guelfi (barítono dramático),
Fechando o ciclo, em 21, 23 e 25 de outubro, Carmen, de Bizet, com o timbre arrebatador de Marta Rose, regida por Nino Bonavolontá e dirigida por Frank de Quell, coroou a temporada com vitalidade e energia. O Coro Infantil Canarinhos Liceanos, o Coral Lírico e a Orquestra Sinfônica Municipal completaram um espetáculo memorável. No cast: Sergio Albertini, Marta Baschi e Gian Giacomo Guelfi entre outros cantores nacionais.
Marta Rose mezzo soprano (Chile) a imponente e majestosa Princesa Amneris (Aida) somada a um timbre dramático e arrebatador na Carmen, na inflamada Santuzza da "Cavalleria Rusticana" , além da ciumenta Princesa de Boillon (Adriana Lecouvreur ) ou de Venus (Tannhauser), de Wagner. Representou também a Laura, de La Gioconda, junto ao elenco do Teatro de San Carlo di Napoli, em 1969 no Theatro Municipal de São Paulo, ao lado de Elena Souliotis, Giangiacomo Guelfi, Carlo Cava, Délia Lago e Gianni Raimondi. Maestro concertatore UGO RAPALO.
Essa sucessão de obras-primas, executadas com critério, talento e respeito, é a medida exata do que São Paulo já viveu. Em contraste, a temporada sob a Sustenidos Organização Social de Cultura é pobre, sem brilho, sem ambição, e destoa da grandeza que outrora fez do Municipal referência cultural da América Latina.
A temporada lírica oficial de 1970 não foi apenas um calendário de récitas: foi um acontecimento artístico e cívico. Um marco de excelência, de orgulho e de memória coletiva. Hoje, lembrar esses dias de glória é também denunciar a mediocridade atual — e exigir que o Theatro Municipal volte a ser o templo da ópera, e não uma sombra administrada por quem não entende, não ama e não respeita a arte lírica.
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Comentários
Comparar esse período com a gestão atual da Sustenidos Organização Social de Cultura revela um contraste dramático: a ausência de planejamento estratégico, a escolha de repertório sem peso histórico ou cultural e a falta de investimento em produções de alto nível enfraquecem o prestígio do Theatro Municipal. A memória da temporada de 1970 serve como parâmetro crítico, mostrando que é possível alinhar rigor técnico, ousadia artística e envolvimento do público, mantendo a relevância cultural e a legitimidade de uma instituição centenária.
Essa perspectiva evidencia o impacto direto da gestão na percepção pública e na longevidade da instituição. O contraste com as práticas atuais demonstra que improviso e escolhas desconectadas do patrimônio histórico não apenas reduzem a qualidade artística, mas também comprometem a função social do Theatro Municipal, afastando público e diminuindo sua relevância cultural. A leitura histórica de temporadas memoráveis, como a de 1970, não é nostalgia, mas uma referência crítica para orientar decisões futuras e resgatar o Municipal como referência de excelência internacional.